"“O gastrónomo tem os seus deuses. O templo é mesa, e a sacristia a cozinha.”...Carlos Drummond de Andrade
Portugal tem uma gastronomia tão rica e variada como a sua paisagem. É o mar que imprime a característica mais marcante à culinária portuguesa. Saboreamos um simples peixe grelhado, tal como o marisco que abunda em todo o litoral. Em pratos de carne, uma sugestão de todo o país: o cozido à portuguesa mistura carnes, legumes e enchidos variados.
As muitas receitas tradicionais da cozinha açoriana fazem as delícias dos apreciadores de boa comida. Aqui, o peixe e o marisco são abundantes e por isso para aqueles que gostam de saborear um delicioso peixe acabado de pescar, nos Açores encontram o paraíso.
Na Madeira, a gastronomia prima pelo tradicional, numa subtileza construtiva entre os diversos produtos regionais, que permitem a elaboração de um variado menu de especialidades gastronómicas que vão desde a cozinha regional até à cozinha internacional.
Em termos gerais, é no sul que se usam mais as ervas aromáticas. Enquanto que no norte de Portugal se usa quase exclusivamente a salsa, o louro, a cebola e o alho, no sul, especialmente no Alentejo, utilizam-se os coentros, as mentas (hortelã, poejo, etc), os orégãos, o alecrim, etc.
Desde que Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia que os Portugueses utilizam a pimenta (designada no Brasil como pimenta-do-reino), a noz-moscada, o cravinho-da-índia, o açafrão, etc.. A doçaria regional faz uso abundante da canela.
A propósito de cozinha tradicional, Fialho
d’Almeida, num famoso texto do 3º volume de “Os Gatos”,
pronuncia-se sobre o que é o prato nacional:
“Uma composição culinária, característica, inconfundível.
Transmite-se por tradição: os estrangeiros não sabem
confeccioná-lo, mesmo naturalizados: tendo chegado até nós
por processos lentos, e contraprovas de biliões de
experimentadores, sucessivamente interessados em o fixar
de forma irrepreensível, resulta ser ele sempre uma coisa
eminentemente sápida e sadia. Isto o distingue dos pratos
“compostos”, quero dizer daquelas mixórdias de comestíveis
e temperos, doseados a poder de balança, exclusivamente
científicas, nada intuitivas e meramente inventadas.
O prato nacional é como o romanceiro nacional, um produto
do génio colectivo: ninguém o inventou e inventaram-no
todos: vem-se ao mundo ido por ele, e quando se deixa a
pátria, antes de pai e mãe, é a primeira coisa que se
lembra.
Em Portugal não há província, distrito, terra, que não
registe entre os monumentos locais, a especialidade de um
petisco raro, sábio, fino, verdadeira sinfonia de sabores
sempre sublime.
(À Mesa com Fialho de Almeida")
Se é verdade que neste Roteiro Gastronómico se revelam sabedorias seculares, usos, costumes e, sobretudo, imaginação que, as mais das vezes, nos fazem sentir o pulsar de uma vida, de uma família, de uma região, de um país...
Também é verdade que a sua concretização como Roteiro Regional se deve á vontade que nos anima, estimulados por muitos dos nossos visitantes, sempre
dispostos a uma palavra de apoio, de incentivo ou mesmo uma colaboração bem vinda...
E ainda, ao apoio e colaboração da
Editorial Verboque desde o primeiro momento se disponibilizou para nos apoiar e
cujas edições culinárias a todos recomendamos, pela sua qualidade, bem como do músico Fernando Brito Vintém com a sua excepcional produção de midis de música portuguesa, o seu empenho na divulgação universal dessa mesma música e o carinho especial que desde a primeira hora nutriu pelo nosso Roteiro
Gastronómico e que tanto tem ajudado a enriquecer os seus conteúdos.
Queremos ainda manifestar o nosso apreço às, Região do Turismo do Alto Minho
e Região do Turismo do Algarve e ás Câmaras Municipais de, Vila Velha de Rodão, Figueira
da Foz,Sernancelhe,
Condeixa,Porto,Covilhã>Portimão e Santarém, que, no meio das suas múltiplas tarefas e preocupações com o bem estar das populações, quiseram responder ao nosso apelo e pesquisa, contribuindo com o levantamento gastronómico dos seus concelhos.
A todos, o nosso Bem Hajam.
Gastronomia
Gastronomia, um património apetecível
Viajar implica necessariamente dormida e comida fora do ambiente habitual de vivência. Mas comer é também viajar, indo ao encontro das memórias e dos imaginários ligados aos lugares visitados ou de onde viajaram até nós os produtos, os alimentos, as prácticas e as histórias a eles associadas. Comer é uma necessidade básica de todos os dias e é também um acto social e cultural, e uma experiência prazerosa e multissensorial. Com efeito, a forma como os humanos se alimentam é carregada de sentido, conferido pelo significado de comer em conjunto (acto social) e pelos significados atribuídos aos alimentos e às práticas alimentares (acto cultural). Comer é assim um acto bio-socio-cultural e a alimentação um elemento da cultura individual e colectiva.
A gastronomia é um património vivo que identifica territórios, grupos e pessoas. Pode ser definida como a arte de bem comer, que assenta na criatividade culinária e se traduz no prazer da mesa. Gastronomia implica conhecimento e paixão. Gastronomia é a alta cozinha associada a momentos de excepção e, por vezes de luxo, e é também a tradição alimentar de um determinado território, valorizada, reinterpretada e trazida para o presente. É o discurso sobre a mesa e a possibilidade de escolha, é subjectividade e diversidade de gostos e de opiniões. Qualquer que seja a definição, três dimensões são fundamentais no conceito de gastronomia: os produtos, a sua origem e os modos de os preparar (a arte da cozinha), a sociabilidade em torno da mesa (o prazer da mesa) e os saberes e o gosto, quer de quem prepara, quer de quem aprecia a comida (o saber gastronómico). A arte de bem comer envolve assim os produtos (quer os ingredientes principais, quer os temperos e aromas de um prato), os métodos e os processos de preparação culinária, os livros de receitas e as receitas orais, os utensílios e os equipamentos de cozinha, os espaços culinários, os empratamentos e a encenação da comida, a estética da mesa e dos espaços envolventes (louças, talheres, vidros e cristais, tecidos e elementos decorativos), os menus, as bebidas, os queijos e a doçaria, e todos aqueles que dão sentido a este vasto conjunto de aspectos: os que produzem, os que vendem, os que preparam e os que comem. São eles, afirmava Brillat-Savarin, os agricultores, os viticultores, os pescadores, os caçadores, os Chefs e as suas brigadas de cozinha e, finalmente, os convivas.
Desde o início do século que a gastronomia é reconhecida como componente do património cultural. França foi pioneira neste reconhecimento. Em 1989 é criado o Conselho Nacional das Artes Culinárias, publicada legislação e realizado um inventário do património culinário francês. Em Portugal, data de 2000 a Resolução do Conselho de Ministros (n.º 96/2000, de 26/7) que consagra “a gastronomia portuguesa como um bem integrante do património cultural de Portugal”, fundamentando-se no reconhecimento de um “vasto património intangível” que, “muitas vezes sem suporte físico”, contribui para a “caracterização de certos aspectos de uma nação ou das partes que a compõem”. A Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8/9), publicada no ano seguinte, identifica como património cultural não apenas aos bens materiais, mas também os bens imateriais e a cultura tradicional popular, referindo a alimentação como parte integrante do património cultural imaterial: “especial protecção devem merecer as expressões orais de transmissão cultural e os modos tradicionais de fazer, nomeadamente as técnicas tradicionais de construção e de fabrico e os modos de preparar os alimentos”. A Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial, aprovada pela UNESCO em 2003 e ratificada por Portugal em 2008, consolida estas perspectivas, definindo património cultural imaterial como “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, nalguns casos, os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu património cultural”. Esta Convenção veio possibilitar a classificação e inscrição na lista do Património da Humanidade de elementos fundamentais das culturas tradicionais, como é o caso do Fado e do Cante Alentejano, mas também de aspectos das culturas alimentares, como é o caso da Dieta Mediterrânica. Anteriormente já as paisagens vitivinícolas do Alto Douro e das Vinhas da Ilha do Pico tinham sido classificadas como paisagens culturais. Estas classificações têm grande impacto no desenvolvimento destes locais e na sua capacidade de atracção turística.
Também o papel da gastronomia e vinhos como motivação turística e como componente da experiência turística tem sido amplamente reconhecido desde o início do século, quer pela academia, quer pelos stakeholders. As primeiras reflexões neste domínio surgem nos anos noventa do século passado, com um artigo em que se abordava a gastronomia e o turismo numa perspectiva de sustentabilidade e de impacto do turismo nas culturas locais (Reynolds, 1993). Desde então os estudos têm-se multiplicado acompanhando a articulação entre gastronomia e turismo e reconhecendo-se a existência de um turismo gastronómico.
Em 2012 a Organização Mundial de Turismo (OMT) publica o primeiro relatório sobre turismo gastronómico e em 2017 o Segundo Relatório Global sobre Turismo Gastronómico. Na introdução deste último, o Secretário-Geral da OMT afirma que a gastronomia é uma tendência da moda, um hobby para milhares, e uma das principais razões para muitos viajarem, sendo procurada pelos turistas da mesma forma que outros elementos das culturas visitadas, como a arte, a música ou a arquitectura. Ao longo deste Relatório salienta-se ainda que o turismo gastronómico oferece um enorme potencial para estimular as economias locais, regionais e nacionais e melhorar a sustentabilidade e a inclusão, contribuindo positivamente para muitos níveis na cadeia de valor do turismo, como a agricultura e a produção agro-alimentar, e promovendo o crescimento económico inclusivo e sustentável, a inclusão social, o emprego e a redução da pobreza, a eficiência dos recursos, os valores culturais, a diversidade e o património.
Em Portugal, a gastronomia e vinhos constitui um “produto” considerado estratégico para o turismo (Plano Estratégico Nacional Para Turismo 2006-2012 e 2013-2015, e Estratégia Turismo 2027), estimulando dinâmicas de oferta e de procura turística, e reconfigurações das paisagens e dos patrimónios locais. Lisboa constitui um exemplo de renovação e de gastronomização sem precedentes, que se traduz numa multiplicidade de mudanças ao nível dos espaços e dos conceitos de restauração, das práticas de comensalidade, das representações ligadas à comida, dos diferentes tipos de cozinhas (tendo conferido a certos bairros da cidade uma ambiência gastronómica anteriormente inexistente), da organização de eventos, do touring e das experiências gastronómicas e de vinhos. Dessa renovação faz parte a emergência de uma alta cozinha portuguesa, protagonizada por uma geração de jovens e inovadores Chefs, coexistindo com a cozinha tradicional e com as cozinhas trazidas de outros lugares do mundo pelas comunidades imigrantes que hoje habitam a cidade. A conquista de cada vez mais estrelas Michelin reflecte esta aposta na gastronomia. Cada vez mais os premiados são Chefs mais jovens e com formação em escolas nacionais, o que nos enche de orgulho como instituição pioneira no ensino ligada à cozinha e à restauração.
Em 2020 continuemos este trabalho e apreciemos a cozinha a estética da gastronomia que o nosso país tem para oferecer.
Bom Ano!